23.11.07

tem gente que é assim


tem gente que fala intimidades ao celular no meio da rua. tem gente que, no meio da rua, fala sozinha – como se estivesse na intimidade do lar.

tem gente que nunca muda. tem gente imprevisível. tem gente chata que nunca vai embora. tem gente que compra livros, mas não lê. tem gente que ouve blues, mas não chora. tem gente que tira férias para ver reality show na tv. tem gente que vai pra tv participar de reality show.

tem gente que não tem carro em são paulo. tem gente que tem carro importado e blindado. tem gente que prefere voar de helicóptero. e tem quem sonhe, um dia, voar de helicóptero blindado.

tem gente que tem rolex para ver as horas. tem gente que rouba rolex. tem muita gente que não vê a hora da fome passar. tem gente que passa a vida a trabalhar. enquanto isso, em brasília, tem gente que só atrapalha – além de roubar dos que trabalham.

tem gente que acha que existe verdade. tem gente que jura que não mente. tem gente que morreu e não sabe. tem gente que passa a noite no cemitério. tem gente que tatua o rosto. tem gente que bifurca a língua como serpente. e tem quem fique suspenso pela pele em ganchos de ferro. tem muita gente que ri quando sente medo. e tem gente que se leva muito a sério.

tem gente que sonha em ser presidente do brasil. tem gente que sente saudades da ditadura. tem gente que faz sexo sem camisinha. tem gente que nunca pede desculpas. tem gente que adora pular carnaval. tem gente pra tudo e ainda sobra. tem gente que até se acha normal.

11.11.07

eu te amo




mais um sinal vermelho ultrapassado. "será que o mateus melhorou?", pergunta-se flávio. na madrugada, sua mulher o acordou com um susto: o filhinho do casal ardia em febre. não foi à escola e não comeu o dia inteiro. “deve ser uma virose, só pode ser. na festa de aniversário ele estava tão bem, correndo pelo jardim...”. o aniversário foi bom também para o reencontro de flávio com o irmão mais velho, com quem havia brigado há dois meses. “só porque ele falou aquela bobagem... deixa pra lá. está tudo resolvido".

entre solavancos, freadas e novos sinais ultrapassados, flávio toma algumas decisões. mateus já fez cinco anos: "está na hora dele ganhar um irmãozinho... vou conversar isso com a ju assim que chegar em casa. vai ser a primeira coisa que eu vou falar com ela”. daqui a 15 dias, fará uma feijoada para o irmão: “boa idéia. é o prato predileto dele. por que ficar brigado com o lúcio?...". e as férias não serão mais adiadas: "vai ser bom viajar com a ju. entrar no mar. vai ser ótimo".

o sol da praia não ilumina a escuridão do porta-malas do carro. mas o que flávio jurou aos bandidos está sendo cumprido: nenhum barulho, só espera. "os caras vão fazer uns assaltos e depois me soltam em algum lugar. é isso, mateus, é isso que vai acontecer. é assim. ju, por favor não me liga agora. não se preocupa, não. eu te amo. eu te amo, ju. como eu te amo".

2.11.07

essas coisas





sp, rua da consolação.
sinal verde para os carros. 1 e 2 na calçada.

1: e o beto? tem visto ele?
2: o beto?...
1: nunca mais eu falei com ele.
2: pois é, rapaz... os pais dele morreram.
1: quê?!
2: morreram. no início do ano.
1: os dois?! de uma vez?!
2: não, não foi de uma vez. mas teve pouca diferença...
1: é mesmo?!...
2: o pai foi o primeiro. e a mãe foi logo depois – morreu de tristeza.
1: é mesmo?!... e como o pai dele morreu?
2: ah, ele tava bebendo muito. bebia todo dia.
1: é mesmo, é?!...
2: bebia. e não tinha hora, viu? podia ser a hora que fosse. parou até de trabalhar! até que um dia o corpo não agüentou. e depois de dois meses foi a mãe... o betão ficou mal, viu?

sinal amarelo.

1: é... essas coisas acontecem.

sinal vermelho. os carros param, eles atravessam a rua e a tarde segue.